domingo, 14 de novembro de 2010

"Você vai passar por coisas piores do que isso, vai ver muito mais sujeiras pela frente. E espero, sinceramente, que você se revolte mais"

"E eu espero que você esteja sempre comigo pra me aconselhar"

"Eu estarei".

domingo, 31 de outubro de 2010

Conversa a mais

- O que foi?

- Estava pensando o quanto eu odeio os humanos.

- Como?!

- Não me leve a mal, acho que temos uma relação de amor e ódio. Eu já amei muito a humanidade, suas teorias para entendê-las, suas linguagens, seus costumes, toda a filosofia que a abrange, sua sabedoria é genuína...

- E então...?

- Estou desiludido. Enquanto estou aqui a conversar com você, outras pessoas devem estar planejando algo para ser o melhor. É da natureza humana a competição, sempre tem um alvo fácil e um prêmio maior e no final... Ninguém conhece ninguém. Não se brincou muito quando foi feita a frase “Quanto mais conheço o homem mais gosto dos animais”.

- Então você prefere os não-racionais?

- Eu prefiro a inteligência usada de modo certo.

- E agora tem modo?

- Tudo bem, quanto mais conheço o homem mais gosto dos números.

- A bomba atômica foi descoberta por um físico.

- Não importa quem fabrica a arma e sim quem puxa o gatilho.

- Isso é uma baboseira.


- É o que eu estou tentando falar desde o início.

domingo, 24 de outubro de 2010

A Carta Sem Significado

Bom dia.

Não vou usar de nenhum vocativo, não quero que a minha voz ecoe na sua cabeça como uma lembrança carinhosa. Se você está lendo esta carta é porque escolheu o copo certo. Chegamos do teatro, você estava cansado e te ofereci um chá. Viemos conversando sobre a peça, sobre a história daquela avenida e sobre o Iluminismo, e eu tive que perder, você sabe que eu estava perdida por isso encerrou o assunto, fechou as janelas do carro e ligou o rádio.

Estou escrevendo esta carta enquanto você toma banho. Era uma coisa que você estava ainda disposto a fazer, e sentia que tinha que fazer. Eu, também, tenho que fazer isso e o melhor de tudo é que não vou ter que explicar o porquê.

Em uma xícara contém sonífero e a outra também um certo tipo de sonífero, só que permanente. Deixarei as xícaras sobre a bancada e deixarei você escolher, enquanto me troco pro nosso último chá.

Boa sorte,
Ruth.

domingo, 17 de outubro de 2010

Saudades, 10

É interessante quando se está com saudade, não importa há quanto tempo você falou com a pessoa, nem importa o que disseram na última vez, saudade é saudade e ponto final. A verdade é que de interessante isso não tem nada, saudade é uma dor constante, ainda mais quando você não sabe quando vai falar com a pessoa de novo, aí fica foda, foda mesmo. Você pode virar de um lado pro outro, tentar pensar em outras coisas e pessoas, mas sempre tem um parênteses de saudades. Saudade não é brincadeira, não, se você se atormenta em senti-la é bom tratá-la, com presença diária ou extermínio total.

E tem aqueles que dizem que tudo é melhor com saudade, não tenho com o que discordar, não, viu. É uma força que toma e fica um absurdo,quando você encontra a pessoa parece que não sente a gravidade, nem nenhum zumbido.

É estranho quando se está com saudade, o interessante é o quanto você fica com e quanto tempo você aguenta até mandar tudo pro caralho e correr atrás da pessoa.
Só tenho mais uma notícia, estou morrendo de saudades.

sábado, 16 de outubro de 2010

Alto do 14º andar

- Ai, não me larga, não me larga!
- Não vou te largar, aproveita.
- Me puxa de volta, me puxa de volta.
- Não tá divertido?
- Não, me puxa de volta!
- Mas a ideia foi sua.
- Me puxa de volta!
- Você nunca foi tão dependente de mim, hein, e de repente a sua vida está a quatorze andares. Posso fingir que sou Deus, sou dono da sua vida, sabia?
- Seu idiota, me larga pra você ver.
- Haha, honey, honey, e você fará o quê? Me mande um recado de lá.
- Ai, meu Deus, você está louco, me puxa de volta, pelo amor de Deus.
- Ops, soltei um braço.
- Eu faço tudo o que você quiser, mas não me solta, por favor... por favor, pelo amor de Deus... por favor...
- Voe como você pode.

domingo, 12 de setembro de 2010

Poltrona Velha

Não existe melhor companheira do que esta poltrona velha, a qual esperei dois anos consecutivos de uso para que moldasse o perfeito assento do meu corpo. Revestida por um tecido macio, uma espécie de veludo, porém mais duro, não se encontra mais poltronas assim. Nem companheiras assim.

Estava cansado daquele sofá de dois lugares, agüentando o peso apenas de um lado, meio torto, suportando o desequilíbrio do meu corpo. Apossava-me apenas do assento esquerdo, o outro ficava para a comida ou livros; como destro, preciso do espaço para livre movimentação.

Esta poltrona decrépita aceita minhas caricias, como recompensa pelo conforto. Aceita que eu me aconchegue, que eu possa sorrir enfim, e ter a alegria medíocre de tirar os sapatos; minhas suaves menções de alívio ao chegar do trabalho.

Já o outro sofá tem o consolo do peso igualitário dos livros e copos sujos.

E quando o fio da loucura corta meus pensamentos, reclino-a tapando o meu nariz, de modo a imaginar que estou sendo batizado, mergulhando minha cabeça no rio Jordão da lucidez. “Agora, sou Mateus”. Abrir os olhos, para fechar de novo e tentar dormir. Esta que também me dá o passaporte para um mundo de encontros tétricos e afetivos, o mundo teórico, me proporcionando o melhor interlúdio dessa canção Vida. 

domingo, 22 de agosto de 2010

Cabeça de Oceano

Eu queria poder mergulhar minha cabeça no oceano e dominar as profundezas frias. Viro minhoca e sou arremessada como isca. Quero pegar um barco e velejar até que o som não possa me alcançar. Quero poder ser rainha da Nada, e reinar nas curvas e conjunturas do universo. Poder gritar e ser sentida por uma linha lateral a quilômetros de distância. Poder gostar de tudo por sentir saudade, poder admirar os humanos como deuses porque eles detêm de poderes sobre tudo.


Sou do oceano pacífico, do oceano sem estrelas.

Lúcia, moça de simplicidade

Quem diria que Lucia, moça de simplicidade, iria amá-lo com tanta vivacidade. Disseram-lhe que era pobre de causa vivida, pensou que seus joelhos eram fracos e que viveria arrastada em uma cadeira de rodas. Lucia, pobrezinha, tem choro mudo e riso apagado; quando nasceu pensaram que era muda, levou umas cinco palmadas pra fazer efeito, ao invés de chorar, soluçou. Seu pai lhe contou que até na barriga da mãe, ela tinha hora pra tudo, hora pra chutar, hora pra fazer doer, e nasceu exatamente no dia esperado. Lucia se tornou anormal por ser normal demais.

Na escola tivera poucos amigos; não quero me atentar a contar uma história comum de gente deprimida, disso já tem filmes aos montes. Lucia não tinha amigos porque não gostava do recreio, meninos correndo, empurrando as garotas, pegando seus lanches – que perca de tempo. Preferia pegar escondida a maçã da professora, comia a metade e o resto dava para um cachorro de três patas que sempre encontrava no caminho de volta pra casa. Mas na quinta série não há mais professora Rita, nem cachorro perneta; Lucia fez três amigos.

Seus três amigos eram os mais inteligentes da turma, ela não os acompanhava nas notas, não era o típico de garota reprimida e estudiosa, apenas era simples. Um deles virou seu namorado, três anos depois; o único namorado. Ele se apaixonou pelo seu olhar, pela tentação de saber o que se escondia atrás da blusa de gola alta, pela sua posição de sentar para conversar, de como enrolava seus fones, e por ela andar sempre com uma revista científica na bolsa a qual teria seu nome na Carta do Leitor da semana.

No segundo ano do ensino médio, tentaram fazer sexo. Ele por vontade, ela por amor. A segunda vez foi por vontade e amor. A terceira vez foi só vontade. A quarta foi depois de uma briga, ela o seduziu vestida somente com a blusa dos Rolling Stones; evitou o término do namoro.

Lúcia virou professora do primário, e agora recebe sua própria maçã.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

12 e 4

Tenha pena de Deus, roubei sua inocência. Tirei sua imagem de criador e coloquei o peso da culpa de todas as dúvidas e dívidas, de todas as preguiças e comodismo de se perguntar, de se limitar aos falsos parâmetros. Se só chegamos até aqui, é por culpa dele, e se chegamos até aqui é por culpa dele também.


Alguns dizem que seu amor é maravilhoso e que seu perdão é a libertação, e fizemos o mundo em reflexo da ignorância e egoísmo do homem. É repugnante pensar que pessoas estão em pé, ajoelhadas, sentadas implorando pelo perdão de Deus, prometendo sacrifícios, enquanto ainda se faz escolhas ordinárias.


Não quero me redimir a isto, não quero me tornar um corpo que peca e que vive em um mundo amaldiçoado, me limitando a apenas a pedir perdão. Perdão não move pedras, perdão não responde as ansiedades.


Todos os dias, deito minha cabeça ao travesseiro, sem a capacidade de adivinhar o próximo segundo. Alimento-me do amor que me lidera, um sentimento próprio, que o homem me fez sentir.


Enoja-me a capacidade de pessoas estarem sempre aptas a seguir caminhos que enaltecem ou subestima muito alguém. A vida é tão rápida e linda para que percamos tempo com escolhas que machuquem alguém; tão linda seria uma vida persuadida pelo amor. Tenho o amor como meu deus, como meus instintos básicos.


Tento não me calar pelo otimismo que se colide, ultimamente. Tento não me alienar aos magistérios da vida, tento encarar-la de modo seguro e ativo, com a bendita vontade de amar. Procurando por corações de ouro, procurando pelo universo onírico, procurando pelo Eldorado. Paradoxo seria se eu me desse conta que estou no Reino de Deus, 12 e 4 juntos.

sábado, 7 de agosto de 2010

Arnaldeando

"Papai falava pra mim: Arnaldo, você é parente de índio tabajara. E o vovô, que compôs essa música, né, era o pai dele, né, e era coronel e já foi eleito prefeito parece que duas vezes em Avaré, nem sei se tomou posse. Mas ele tinha um violão que era fabricado com canivete e fazia assobios e assobios pra passarinho caçar, era uma loucura, né. Mas ele ficava tocando essa música, né, e eu peguei e consegui acompanhar o dedo dele, né, porque eu sou canhoto mas só pra escrever, pra tocar violão eu não sou, que nem o Paul McCartney ou Jimi Hendrix, né. Então, eu dedilhava meio toscamente, meio aprendendo, né, mas ele me ensinou. Então, ele me ensinou, ele tinha catorze filhos, né, mas ele me ensinou, então eu fui e decorei e foi assim que ficou."


Não estou nem aí
Composição: Arnaldo Baptista

Vamos para longe
Vamos pra onde eu vou
Será que é difícil esquecer os males?
Let's to the sunshine
Vamos pra onde eu vou
Será que é difícil esquecer os males?

Ontem me disseram que um dia eu vou morrer
Mas até lá eu não vou me esconder
Porque eu não estou nem aí pra morte
Não estou nem aí pra sorte
Eu quero mais é decolar toda manhã

Quero decolar toda manhã
Quero decolar toda manhã

Num mundo de cristal
Num mundo surreal
A vida, a morte, o amor
A vida, a paz, o amor...






"Aquela foi uma época de testar minha resistência em tudo. Quando eu estava vivendo com a Martha, mãe do meu filho, cheguei a andar a pé até Catanduva, a 400km de São Paulo. Eu achava ela lindíssima, mas meio monótona. Então preferia andar, né? Eu não tinha mais instrumentos em casa, tinha vendido tudo e estava muito sem dinheiro. Ela falava que eu queria pertencer ao sistema, mas o sistema não queria que eu pertencesse a ele."



O que você acha do mundo hoje? 

Acho que a Terra está no apogeu da Era Ígnea. Pros ígneo-rantes, “ígneo” é relativo ao fogo, né? Em vez de usar o sol ou o vento pra produzir energia, ainda somos piromaníacos. Mas atingimos uma etapa em que devemos tomar consciência do que estamos fazendo com o nosso lar, a Terra. Poderíamos tentar nos comunicar com seres extra-terrenos pra ver se aprendemos alguma coisa. Mas se eu fosse um ET e visse a Terra como ela é hoje, tão careta e religiosa, hesitaria antes de entrar em contato com gente que poderia me julgar Deus. Imagina, eu fazendo telecinese por eletroímãs e o povo achando que era milagre? Penso também que a humanidade – mudando de palhaço pra físico, como eu te falei – aprendeu a eliminar os gauss (medida de densidade de fluxo magnético) dos ímãs, mas, pra vencer a força da gravidade, teria que eliminar os grávitons (partícula hipotética da gravidade quântica), que determina que objetos não-metálicos, como a minha mão, sejam impulsionados para baixo. Os discos voadores fazem isso. Mas o ser humano evolui, hoje em dia já se fabrica até aviões sem piloto, que atingem velocidades tão altas que uma pessoa não aguentaria. Vai saber até onde a humanidade chega... ciborgues, sei lá.





"Eu acho que Louvado Seja Deus é um lado que a gente tem um pendor pra fazer uma louvação a algo adorado, né. E com isso a gente aumenta o potencial dentro de cada um de nós, né, sem envolvimentos com vício e com coisas malignas, né. Então nesse sentido a gente vai levar a adiante isso de louvação onde o lado poético encontra amor até em entidades que são psicodélicas e atéias, como um deus que não tem nada a quem ele adore."

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Só há apenas uma resposta

- Eles não vão te responder.
- Como você sabe?
- Eu já tentei.
- Você é você, eu sou eu.
- E Eles continuam sendo eles.
- O que você quer dizer?
- Tente vencer por você mesmo. Eles não vão te ajudar.
- Não sei o que fazer.
- Sente e pense.
- Odeio quando você usa esse método socrático comigo. Se sabe a resposta, só me diz de uma vez. Eu só estou querendo mostrar que estamos nos tornando mais um personagem de Panis Et Circenses.
- Você precisa é amadurecer.
- Olha só quem fala... Você que...
- O quê? Vai falar o quê? Que eu não consegui nada na vida? É verdade, quem eu sou?  Quem eu sou pra te aconselhar? Some da minha frente.
- Eu não quis te ofender.
- Por favor...
- Eu vou atrás deles.
- Eu não ligo.




- Alô?
- Oi.
- É melhor você parar de ligar pra cá.
- Eu consegui.
- Conseguiu o quê?
- Você tinha razão, Eles não deixaram que eu entrasse na morada. Consegui entender sozinho porque as almas são tristes, porque os corpos sangram, tive que ser o Mito da Caverna, consegui ver o começo, o fim, o “a” e o “z” diante dos meus olhos, consegui ver a verdadeira cor, entendi porque lá não há pássaros e nem formigas, vi a 3º Guerra Mundial, vi as quatro forças, eu vi as sete cordas, depois eu...
- O quê?
- Eu tive que vir buscar você.
- Por que? Você não vê? Você conseguiu.
- Ainda não entendi o amor.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sem Título

São quatro horas da manhã, quando eu tentei dormir eram duas. Acho que eu nem dormi, mas lembro de ter sonhado.  Estou sonhando com estranhos novamente, acho melhor assim, pelo menos não tenho mais aquelas idéias que sonhos são transcendentais. Não penso mais deliberadamente em uma conexão sonho e realidade. Talvez eu tenha perdido o sono porque já dormi demais, sinto que deixei a vida passar (inconscientemente). A pior parte vem quando você não sabe o que fazer acordada, e deixa a vida passar de qualquer jeito (conscientemente).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Eles

- você vai continuar fazendo isso?

- qual o problema?

- eu não quero nem ver

- não vê, então

- você tem que fazer isso?

- é uma coisa natural

- vou fechar os olhos pra não ser cúmplice disso.

- não adianta nada, você sabe que eu ainda to fazendo e enquanto eu falar, só vai vir os flashes na sua cabeça com uma imagem minha colo...

- cala boca la-la-la

- pode abrir, eu já parei

- mentira sua

- então tá, fica de olhos fechados igual uma boboca

- eu posso ouvir, você ainda ta fazendo

- então, ouve isso  “Dooooon’t let me dooooooooown, don’t let me dooooown”, vamo, canta é a sua parte.

- “nobody ever love-“ não, não, eu sempre entro na sua. você não cantar nem abrir os olhos.

- estou com os meus fones especiais, não ouço bobocas eu só CONSIGO OUVIR O ROQUE DO JOHN. CANTE MAIS ALTO!

- ei, devolve minha mão, só eu posso fazer ela de microfone

- VEM CÁ, OLHA COMO SOMOS BONITOS

- sabe “nobody loves me like you do”

Japão e Seus Corações de Ouro - Parte 2


Minha bandeira são esses sorrisos e abraços vendo nossos corpos, mesmo que atormentados, voltando de combate com vida. Nossos sentimentos devem formar uma oligarquia, para nos alimentar de vontade de retorno ao nosso vilarejo. Andamos com nossos hanbos ensangüentados, muitos sem donos. Algumas kamas espreitando perigo à cintura. Andamos com a nossa vida propagada em instintos de proteção. Não mais que isso, eram apenas amor e proteção que as nossas cabeças entendiam. Depois, inevitavelmente, forçamos o mergulho na soberba; e analogamente, as gotas d’água que se espalham, com a velocidade de impacto de nossos corpos no mergulho, são apenas os pensamentos de vergonha e tristeza que nosso povo viria a ter se nós não voltássemos. Gotas que voltam pro mesmo ciclo de água.

Aparentemente, não precisamos mais lutar, ainda assim somos treinados para o futuro. Passando os ensinamentos de geração a geração, aprimorando o que já pareceu inevitável. 

Podemos viver livremente, conquistamos algo para os nossos ancestrais e descendentes. Terra, água, fogo e ar. Temos calos, temos memórias sorridentes e chorosas. Mas nada que possa combater com a nossa capacidade de deixar tudo isso para trás, com a fome de uma vida que sempre nos foi prometida. Cada dor é uma dor nova. Cada alegria é uma nova alegria. Vivemos, sim, em um minimizado pela luta, tenho espírito aventureiro que me faz respirar novas fronteiras e idealizar novos conhecimentos refletidos em meus poucos anos de juventude livre.

Vivemos dispostos a procurar por nossos corações de ouro. Explorando apenas o disponível: o nosso interior.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Japão e Seus Corações de Ouro - Parte 1

O meu povo é um povo feliz com lembranças tristes, chego a pensar que fingem seus jantares em família e seus brindes, mas não, só estão tentando seguir como qualquer um faria. Meu vilarejo já foi pintado de sangue, esgotado de almas vagantes, lotados de lágrimas. Foram-se os inocentes e os culpados, hoje, ficaram corpos com um pouco de história, inclusive o meu.

As imagens dos nossos heróis e suas histórias de combate, agora, habitam o mesmo lugar: nossos corações ainda aflitos – mesmo os anos tentando nos encantar de outros jeitos, ou ainda nos cansando, nos tornando terríveis, insensíveis ao ponto de não chorar por já estarmos acostumados com a dor. Talhamos os nomes heróicos em hiragana nas paredes internas de uma casa velha, a qual por muitos anos a ignoramos e hoje a chamamos de “templo”. Uma casa velha, como a nossa dor; uma casa de madeira, frágil como a nossa ambição de viver. É meu lugar preferido. Fora feito há muito tempo como moradia, os homens jovens da época construíram para que fosse só mais uma do vilarejo; a família, que nela dividia-se, hoje se resume em histórias. Eu sou da época desses homens jovens, que em sua maioria, agora são heróis, a minoria se perdeu no tempo, contrapondo a sua vontade de lutar desde criança; não foram considerados heróis mas tiveram espíritos de tal semelhança em sua vontade. Assim como eu. Inevitavelmente, agora, beiro a morte, e por conseqüência desse “agora”, não terei meu nome como marca naquele “templo”, talvez o não ser heroína é uma conseqüência: aqui não há lugar para mulheres, só para seus antecedentes e sucessores homens.

Nesta região, que se tornou inóspita pelas sucessivas guerras entre tribos vizinhas, fizemos nosso lar, unimos nosso império. Prometemos que cada ano seria mais próspero que anterior, e com muita vigor viemos conseguindo.

Ao som do koto, a calmaria manifesta-se. Todas as mulheres, uma por vez, dedilham a paz com dez dedos. As canções tradicionais ainda são as que encantam, as que perturbam mesmo ensaiadas. Somos muitas atrás de um coração de ouro, que valha o dobro de nossas riquezas, que seja tão puro como nós. Somos eternamente mulheres, no meio do nada, no meio de muitas, procurando o único conforto de um coração de ouro.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Cavalos ainda não descem escadas

Arnaldo, eu quero decolar toda a manhã contigo em um mundo de cristal, em um mundo surreal. Nós somos dois que não estamos nem aí pra morte, não estamos nem aí pra sorte, já pensamos que éramos ruins e choramos de amor pela humanidade.

Eu não queria que tu não pensasses mais, sei que é perverso, mas eu quero que tu lembres até do quarto andar, eu quero saber todos os replays que embaçam o teu olhar. Tudo aquilo que errou, ah, Arnaldo, eu seria o teu dinheiro.

Nós nunca nos encontramos, tu sequer sabes da minha existência, mas tantas vezes minhas colchas e meus lençóis já se encontraram por ausência de alguém entre eles. E assim como tu, eu vivi. A paz parece ser forte. Amamos tantos gritos, rimos dos gritos. E tudo começou outra vez. 1, 2, 3. Talvez porque tu “estavas” ali comigo.

Porém ao contrário de ti, não me apego às coisas matérias, prefiro te imaginar dando “bom dia” para as flores, pintando quadros.

Eu só penso em o quanto eu quero cantar bem alto na Augusta para que tu possas me escutar, como um chamado. Porque eu realmente não sei onde te encontrar, não sei por que te escondeste em Juiz de Fora. Sei que preferes assim, mas poderíamos tomar um chá, depois tu me mostrarias tuas artes, e logo em seguida iniciaremos um musical, contigo no violão, teclado, bateria, tu podes escolher.

Talvez, Arnaldo, tu sejas a pessoa mais bonita que eu já ouvi falar.

Eu queria comer do teu bolo, queria te cumprimentar, te poder fazer de avô, queria rir das tuas piadas e do teu sotaque paulistano - aquele “érre” puxado. Enfim, te parabenizar pelos teus sessenta e dois anos. Desejo poder chegar a tua idade assim, me achando meio malandra velha e gostando de viajar.

Sei que Lucinha, agora, cuida bem de ti, e que mais ninguém encanta teu coração. Mas tenho que te falar: a melhor música ainda é Dia 36.

Arnaldo, vamos sentir o barato de todos os tempos até quando Deus quiser. Vamos procurar nosso disco voador, vamos pescar pessoas.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

22:43

Lívia. diz:
*eu estou em uma complexa luta por mim mesma.
Lívia. diz:
*a qual eu ou eu podem ganhar.
Edu.     you spin me right round, like a record     diz:
*pelo que estão lutando?
Lívia. diz:
*pela razao.
Lívia. diz:
*é claro que eles irao usar de qualquer artifício pra isso, talvez eu acabe deprimido e o eu acabe demasiadamente exarcebado de poder.
*ou vice e versa
*a razao é um conhecimento maior, e cada um quer ser maior que o outro.
Edu.     you spin me right round, like a record     diz:
* http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e3/Le_songe_de_la_raison.jpg
Edu.     you spin me right round, like a record     diz:
*e como você pretende se vencer e conquistar tal ?
Lívia. diz:
*é como eu disse: cada um vai usar as suas armas.
Lívia. diz:
*ao que me parece um tem o coração e o outro tem a cabeça.
*e nem se pode desmerecer o coração, ele parece fraco, mas engana.
Edu.     you spin me right round, like a record     diz:
*não o desmereço, conheço o poder do desgraçado
Lívia. diz:
*a cabeça está mais ligada a razao, em tese.
*mas eu acho que é só uma questao de lexico.
Lívia. diz:
*"você tem razão" nao é especificamente razao racional.
Edu.     you spin me right round, like a record     diz:
*teoricamente, mas o coração possui uma força que ultrapassa qualquer definiçao lexica...
Lívia. diz:
*é verdade.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Éramos Velocidade.

Não, tempo. Não, espaço. Sim, velocidade.

Em busca de céus laranjas, eu tentei não perder a coordenação. Nós acordamos, e caímos mais um pouco. Ilusoriamente esgueirando-me da confusão, me camuflando em demência para diminuir o caos, não obstante estariam meus olhos fechados encontrando a última raspa de certeza ainda fluente: o teu sorriso, que ativou um protótipo de paz, e naturalizou o reflexo de um outro sorriso, feito por mim. Passando os dedos na superfície dos meus lábios, busquei algo mais freqüente teu, e em virtude do próprio peso dos dedos e o desconforto das unhas me desguiei, perdi. Encontraram-me em conflito.

Foi culpa minha, eu me corrompi para realidade, enquanto nós éramos pura velocidade. Eu já deveria saber, foguetes caem onde foguetes caem.

Um Encontro de Verdades.

[O texto que segue não encontrou um devido final, está expressamente trancado nas idéias que fugiram do controle ou entraram muito dele e não se destacou. Decidi por publicar por já ter enjoado do nome do texto no meio dos meus arquivos. Segue.]

- Eu nunca pensei que fosse tão difícil escrever o conceito de verdade, meus amigos – disse Jean Piaget, com um de seus charutos suíços na boca, entre risos.

Os senhores, que ainda estavam dispostos a desfrutar de um humor barato, o acompanharam nas risadas. Se alguma evidência poderia ser tirada, deveras seria que aquele grupo estava beirando sua “quase desistência” de futuras teorias, naquele instante. Lançavam olhares entediados; riam depois de fazê-lo, para esquecer o preceito, para debochar do estado alcoólico do outro mesmo estando taças de vinho à frente. Era bem perceptível a competição entre o cheiro do suor e do álcool; não era esperada outra coisa, vindo de uma reunião de homens velhos com barbas por fazer, bebendo vinho e discutindo filosofia.

O encontro estava certo há uma quinzena; dados os telefonemas, envios de telegramas e cartas, tudo já estava esquematizado. Pelos países da Europa, América e Ásia, a notícia do encontro foi se espalhando. Alguns desdenhavam, soltavam leves risos duvidosos combinados com sarcasmo ao ver o nome de Sócrates como o anfitrião, outros ficaram honrados e ainda previam conceitos que mudariam a filosofia.

(Paris, 17 de março de 1919)

Enfim, estavam ali: sentados em volta de uma mesa arredondada, centralizada na sala (de mais ou menos 7x6 metros) acompanhada de tragos charutos, bocejos, vinhos e homens das mais diferentes nacionalidades e idades.

- É verdade, meu caro, concordou Sócrates, estamos aqui com vinte e seis livros abertos; entre eles, dicionários, livros de sociologia e filosofia, mas nada de uma primeira linha.

Sócrates falava como um líder, era o mais velho, o mentor do encontro e previamente o dono da maior quantidade de livros ali expostos – nada que intimidasse seus companheiros. Na mesa não havia cabeceira, se houvesse, de certo ele a tomaria.

- Senhores, eu abstenho-vos dessa inércia. Querem uma idéia? Pois bem, então redija nessa sua máquina, Sócrates. Eu tenho uma idéia! gritou Descartes seguido de um belo gole de vinho.

- Ora, se tem! Vamos, comece. - duvidou Sócrates.

- Espetacular, Descartes!- gritou um coro de bêbados.

- Não perderemos tempo, senhores. Coloque uma folha nova para um novo conceito, Sócrates – chamou a atenção. Verdade é a boa interpretação de uma sentença, ponto seguido, Pode vir como uma metáfora, vírgula, mas se for bem interpretada, vírgula, essa é a sentença com a qual tu te identificas com a verdade, vírgula, o teu ponto de vista, ponto seguido, A má interpretação é uma falácia, ponto.

- Com todo o perdão da sinceridade a que me cabe, eu te digo que não aprovo. Não soa como uma definição... - disse Sócrates sem tirar os olhos do papel.

- Ora, é porque tu não soubeste interpretar a verdade de Descartes. Seguiste a tal da falácia.

Caíram no riso, o clima ruim já conhecido entre Descartes e Sócrates tem um novo alicerce.

- Amigos, riam, - começou Piaget, agora de pé e falando em alto e bom som- mas o que me preocupa não é a verdade, o que me preocupa é a mentira. Os senhores já imaginaram quantos vão querer uma definição de mentira para ter algo a seu favor? É simples pensar: todos mentem, alguns mais mentem do que exercem a veracidade. A mentira já é quase considerada o certo de tanto ser escolhida, virou o senso comum dessa população.

- Se definirmos o conceito de um, não teremos o de outro? Não são antônimos?

- Dependendo do ponto de vista, meu caro. – disse Descartes, ainda de costas, para Sócrates enquanto servia-se de mais vinho. O que pode ser uma verdade para ti, é uma mentira para mim, por exemplo – jogou o conteúdo do copo contra a parede branca, para a perplexidade da platéia. Isso para ti pode ser vinho como para mim é sangue. São duas verdades porque são dois conscientes e até então não há alguma prova de que é vinho ou sangue.

Sócrates fica estagnado na mesma posição por cinco minutos, parece não refletir nem mesmo respirar. Agora, estava sem chão.

- Esses conceitos são puramente teóricos, indagou Nietzsche. Eu quero que tu me proves uma mentira evolutiva. – bateu a mão na mesa para chamar a atenção para si. Porque para mim, vos digo, falso é tudo aquilo que é obstáculo na vida construtiva de um ser; e verdadeiro é aquilo que ajuda a fomentar a vida da espécie.

- Não seja tão pragmático, Nietzsche. De pragmáticos já estamos abastecido por aqueles norte-americanos. Aliás, é extremamente curioso não saber o porquê de Dewey não poder vir. Os senhores têm conhecimento da causa?

- Não vamos desconversar, Habermas. Até concordo com o triplo consenso de William James, Dewey e Pierce: a prática é o critério da verdade. Nesse caso, a verdade de uma proposição se estabelece a partir de seus feitos, dos resultados práticos. É por isso que lhes dou a certeza que o conceito deve adquirir um conceito existencial, e não um valor racional.

- Eu tenho um conceito para a mentira! – Descartes quebra o silêncio da reflexão proferida por Nietzsche.

- É claro que tem, Descartes. É claro que tem. Pode começar, estou redigindo. – Sócrates completa.

- Vou esperar o teu nível de sarcasmo abaixar para que não respingue no meu raciocínio.

- Terás que encomendar mais vinho, meu caro.

- Anote. Só anote – Descartes coloca o dedo com força no papel, assumindo a pseudo-liderança. A mentira é preconceituosa, vírgula, ela pode ser inventada, barra, imposta a partir de um ponto pobre, entre parêntesis: “sem conhecimento” e egoísta. Além de ser empírica, vírgula, pois não há uma suposta mentira. Ela é concreta. Se for suposta é uma teoria.

- Não que eu queira dar um ousado levante no teu humor, Descartes, mas vossos conceitos estão melhorando. – diz Sócrates dando um fraco tapa na máquina de escrever para poder concluir o escrito.

- Isso é uma verdade. – debocha . Mais vinho para Descartes!
Os bêbados comemoram levantando suas respectivas canecas.

- Senhores, um minuto, pois para mim, isso não quer dizer nada. A mentira é um jeito de manipular a sociedade! – diz Marx como se tivesse guardando o segredo por tanto tempo, para poder chocar mais.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

For No One.

A idade pode acabar embalando suas mediocridades junto com o tempo, fazendo com que vários desejos voltem, fazendo a adição de manias que parecia ser só mais uma, e fazendo, ainda, que noites de reflexão sobre o que já viveu e sobre o que ainda tem pra viver aterrorizem por algumas horas.

A verdade é que eu sinto falta de muita coisa, até das coisas que eu achava que não me fariam falta. Descuidei-me de alguém, magoei outrém mesmo quando não foi a minha verdadeira intenção, outras o tempo tomou conta. Talvez saudade tenha tomado o lugar do arrependimento, e agora só oscila de modo freqüente e com força variável.

Eu sinto falta do meu avô, talvez de não ter só uma certeza na vida, de dormir no ônibus, de passar da parada, de quem me chamava de “broto”, das cartas de Aracajú, do teatro, do centro do Rio de Janeiro, da Praça das Águas, de quando a pilha do discman acabava na melhor música, quando eu ficava com “Do Sétimo Andar” na cabeça, do Clube da Calçada, do RPG, de matar a aula de inglês pra fumar, de matar qualquer aula, de ir pra lan house, do Nintendo, da luta pelo melhor controle, de poder justificar a perda por não estar com o melhor controle, das horas do telefone com o Pecê, do All Star preto de cano médio, das blusas da Warner, do gesso do braço direito pixado, do beijo e do escarro, das histórias do meu avô, do “alô” do meu avô, do Fusca, do Gol, de me apresentar com outro nome, de cantar Cachorro Grande o mais alto que puder, do início da Les Claps!, dos pés de acerola, dos dezesseis anos, de quem estalava meus dedos, da rede, do Underground, da Mona Lisa Plug, do meu cachorro, de como o meu cachorro me pedia comida, dos desenhos com raspas de giz de cera, dos dias em que eu consegui sentir intensamente todos os sentimentos conhecidos, das dores de bochecha de tanto rir, das lutas de vassoura, de travesseiro e punho, de algumas conversas de antes, das primeiras conversas pelo celular, de me sentir awesome, do cabeludo da locadora que me indicava filmes bons, dos lanches da madrugada, de jogar dominó, do professor de biologia, da terceira temporada de House, Frinds e The O.C, de Andy Milonakis, de E24, do tapete marrom, de mais Beatles, de ser a Something e Tickettoride, de banana com açúcar e canela, de goiabada com queijo coalho, das longas viagens de carro, das longas viagens de carro na chuva, chuva de granizo, da câmera fotográfica amarela, de quando eu achava que cinco reais era muito dinheiro, de quem me ensinou a tragar, de quem me apresentou Mutantes, de quem era louco por Mutantes, de quem tocava guitarra com o coração, de quem tocava guitarra branca, de quem só usava camisetas brancas, de quem passeava com o cachorro na mesma hora, de quando eu era mais ignorante, de quando eu não morria de saudade de alguém que não falo há dois dias, de quando eu me desapegava fácil e nunca me dei conta do que realmente me fazia falta, mas principalmente de não sentir falta.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Fuga

- Então, você vai fazer?
- Anda, vamo logo, antes que eu mude de idéia. Não sei como você me convenceu a fazer isso. É burrice! É burrice! Você sabe que é burrice, não sabe?
- ...
- É claro que sabe, por isso tá toda calada e de sorrisinho.


- Pega a perna dela. Não to conseguindo, é muito pesada.
- Olha, se eu vou participar disso, você não vai mandar em mim, entendeu?
- Okay, sabichão, então como vai ser?
- Primeiro que não combinamos nada desse jeito, aí eu chego aqui e encontro ela no chão. Ah, vamos colocá-la na cama e quando ela acordar estaremos longe.
- Você tá louco?! Aí ela acorda e vai atrás de mim. Ela vai atrás de mim, vai mesmo! Céus, você nunca entende...
- Se eu não entendo, então me explica. Olha, não chora, vai dar certo, você vai ver.
- Ela já estragou tudo até aqui e eu não agüento... Olha, tudo bem, vai embora, vai. Ela vai acordar e nem vai suspeitar do que aconteceu.
- Tá bom, tá bom, nós vamos fazer. Mas para de chorar senão eu te prendo junto com ela. Vem cá, me dá um beijo.
- ...


- Onde vai ser?
- Acho melhor colocá-la no guarda-roupa. A porta é frágil, fica fácil de alguém ou ela mesma conseguir quebrar.
- Okay, me ajuda, pega os braços.
- 1, 2, 3... levanta!
- Porra, ela não parece ser tão pesada quanto é escrota. Mas afinal, ei, pega direito, vai acabar batendo a cabeça dela, então, mas afinal o que você deu pra ela?
- Tô segurando, espera, vou abrir a porta. Então, eu dei um dopante de cachorro pra ela, cuidado com as costas, era a única coisa que tinha. Não podia mexer no nosso dinheiro pra comprar outra coisa na farmácia. Já, agora senta ela e encosta a cabeça dela nesse travesseiro.
- Ah, roubava, nós já estamos fugindo mesmo. E se ela começar a babar feito cachorro? Haha.
- Já tem filme sobre cachorros zumbis, e já tá sem graça.
- Nunca é tarde pra fazer piada com essa mulher. Haha. Agora tranca a porta.
- Quer deixar uma câmera pra saber como ela saiu? Haha.
- Não, vamos precisar de uma câmera. Acho melhor nós irmos.
- Vou pegar a nossa mala, o dinheiro e as passagens.
- Já sabe pra onde vamos?
- Ué, decidimos Dakota, ontem, não foi?
- Vai ser demais. Tem cigarro?
- Pegaí na minha bolsa, tá no bolsinho da frente.

domingo, 30 de maio de 2010

Morte por estatística

Esticaram-na sobre a sua própria piscina de sangue. Rodearam-na com uma barreira de curiosos que traziam a poeira que se uniria com o sangue, como uma espécie de grude – mal sabiam que desobedeciam uma das maiores manias da moça de sempre limpar bem os sapatos, preocupada com o que as brechas do solado poderiam ter em seu poder. Cobriram o seu rosto, já tinham recolhido sua identidade. Mais uma morte pra virar estatística. Foi feliz o quanto deixaram e, talvez por isso, teve a morte merecida: instantânea, quase indolor, comum. Todos que estavam ali foram testemunha, alguns a invejaram pedindo perdão de quem pudesse ler mentes, outros se benzeram sem chegar perto, e os que restaram só passavam informação.

Morreu no cenário que passou suas melhores alegrias, talvez nunca tivesse imaginado que iria terminar lá. Quando me refiro as suas “melhores alegrias” não quero aparentar que lá era onde ela passava o maior parte do tempo, nem mesmo foi seu lugar preferido, mesmo contando com o porém de que lá residiu a maior desorientação do amor não publicada, a sua primeira relação sexual, a(s) sua(s)primeira(s) relação(ões) com as drogas lícitas e ilícitas, seus primeiros suspiros por Drummond, seus modelos para seus quadros, suas últimas irreverentes mentiras.

Estava ali, estirada sobre os milhões de grãos de areia que compõe a pequena Praia do Arpoador. Estava perto do mais vendido cartão postal do Brasil. Exposta, esfriando a areia que, agora, já não era tão quente.

Foi um dia ruim no Pavão- Pavãozinho, e um dia normal nas pedras do Arpoador. É um fato que não se espera, mesmo que tudo mundo saiba e esteja orientado. No final da tarde, eles tiraram a normalidade, desceram o morro; e ela a pedra. Eles se armavam e corriam; ela encaixava aos impulsos os dedões nas sandálias. Eles eram vários; ela também. E agora o que corria sem fórmula pronta, sem físico pra analisar, a pegou pela cabeça. Eles tornaram-se “não sei dizer”; ela respirou até a última nota do mar. Respirou aquela cidade, a cidade que eles lhe ensinaram a amar e a defender.

Mais outra madrugada

- você está realizado, amor?
- estou com tudo o que desejei em uma vida
- e não deseja mais nada?
- eu desejo tempo pra poder aproveitar tudo isso
- e se não te derem?
- foi bom enquanto durou
- então você se conforma com isso? um momento de felicidade?
- se for assim, como eu sempre sonhei, eu me conformo sim
- você merece mais
- eu já tenho você. me basta
- e se eu te deixar?
- eu te mato
- vai ter que aprender a amolar facas
- não, eu quero que toda ferrugem penetre em você
- pena a gente não ter um quintal pra você me esconder, você vai ter que fugir
- ah, vai tomar no cu. por que você tá me dizendo isso, agora?
- é porque eu te desejo mais do que tudo e a toda hora. e se alguma coisa der errado por minha causa, eu vou querer te deixar. não vai ser eu que vai te maltratar
- você é tão fraca assim?
- você vai vencer na vida, amor, e eu não vou conseguir te acompanhar
- cala a boca
- eu te amo, mas eu tenho medo de te perder, e talvez eu te deixe antes que você me deixe
- isso não vai acontecer
- como você tem tanta certeza?
- porque este é o ápice da minha plenitude
- você é um maldito que vai me ter pra sempre. e eu te odeio e te amo por isso.
- me odeia?
- nunca vou conseguir me libertar de você, nunca vou poder beijar outra pessoa, amar outra pessoa sem comparar ela a você. e esse ideal que me pertence.
- e você vai querer amar outra pessoa?
- ...
- ...
- você me ensinou tudo o que eu sei, me deu as melhores histórias da minha vida, e...
- o que você tem?
- esquece, me beija.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

CAL
SU
OD
D
AMOR
...

Dois dias depois

Toda a tristeza compulsória, embasada, empírica. Todo o ódio submisso aos não poderes de mudar, desvalido, indivisível. Toda a índole, moral, ética, esses hipócritas. Todas as diretrizes, objetivos sujos, lama, uma fantasia de infelizes. Corpos inundados em sentimentos impróprios esperando um polimento para admiração. E a morte tão longe...
Uma terra, um inferno, uma vida, um amor, do que tem medo, um(ns) descendente(s), o que nunca terá, um propósito– passou.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta a Albert Hoffman

Indicaram-me poucas doses por dia, o necessário, eles diziam. Pouco a pouco ele já estava na minha corrente sanguínea, nos meus poros, na minha saliva, se combinando com a queratina, aniquilando meus sonhos e apetite, roendo meus telômeros.

Indissimulável.

Viciei.

Passei a andar com a droga na bolsa, tomando qualquer quantidade a qualquer hora, me dedicava a sua digestão como fossem cubos de açúcar inocentes.

Foram meses envelhecendo como anos, mesmo quando achava que tinha enlouquecido conscientemente. Eu sabia que estava bem, mas não sabia se era um dos fatores benéficos do remédio ou não. Pra ser sincera, por várias vezes perdi meu sono por me indagar se a retirada do remédio iria me trazer a vida de antes. Eu tenho um palpite, mas prefiro não mencionar.

Deparei-me com o passado, com a caixa do correio cheia e com a secretária eletrônica em pane, todos completamente preocupados. Mas eles eram apenas os outros e isso era nada mais que um período de “liberdade”.

Quando eu me dei conta, já não sabia mais o número da minha identidade, quando quis comprar um isqueiro novo pela internet. Decidi parar de uma vez por todas. Não podia ser tão difícil. Depois de três noites sem o poder do remédio, me revoltei, adquiri uma personalidade sobrenatural, uma força advinda sabe-se lá de onde, quebrei espelhos, fiz muitas cicatrizes no rosto, achei que tudo deveria ser de outro jeito, me perdi na minha forma absoluta de ver o mundo, ou era ou não era, e não tinha esse negócio de "eis a questão".

Doutor, faz um ano que eu estou no processo de teste, eu só queria saber se isso é normal.

Roberto Rodrigues

"Como se sente comigo?"

"In-tei-ro."

domingo, 2 de maio de 2010

Life is not to be this way

Vida não é pra ser desse jeito, mulher. A porra da sua vida não pode ter mais momentos tristes do que felizes, você não deve ensaiar momentos que você nunca vivenciará, você não pode escolher quem você amará, você não pode jogar a moeda pra cima pra decidir tudo.

Vida é mais que isso, mulher. Vida é mais do que esperar que alguém te ame como você o ama, mais do que esperar que o humor das pessoas seja melhor a cada dia, mais do que esperar que a chuva vai passar e limpar as burradas que você faz, mais do que acreditar nos clichês que te dizem no vagão. Vida é mais do que essa cesta de lixo que você entope de rascunho. É mais do que enfiar um monte de banalidades na cabeça e achar que uma hora vai sair pela boca ou pelo cu.

Vida não é o que você pensa, mulher. Aprenda.

Ensaio sobre a chuva

Foi uma chuva torrencial, seguida de trovões jamais vistos. Os raios iluminavam a sala frequentemente, induzindo a uma abertura maior de olhos e uma interjeição desaforada de susto. No início, acabrunhou aquela que só queria se mostrar, lavar o asfalto, deslizar no vidro do carro, penetrar no solo. A chuva que cancelou todos os planos, amaldiçando a tarde em vetores de velocidades d’água quase previsíveis: diagonal, vertical e horizontal. Um ritmo monótono que todos achavam sublime. Depois entendeu. Talvez a magnitude da chuva não só se encontrasse na simplicidade em como cai, mas também no seu som, aquele que sobre as telhas de alumínio se destaca como algo impenetrável, de ação e reação, dando pra ouvir até a criança que é o chuvisco. Nas cabeças não funciona muito diferente, uma espécie de pólo positivo, que é a chuva, atrai os pólos negativos que são as nossas cabeças; é uma boa explicação pra vontade súbita que temos de mergulhar na chuva: neutralizar nossas cargas, abluir nossos corpos.

Um espetáculo que não cansa de se mostrar, uma turnê democrática. Só conhece o reino puro, quem se torna fiel a esta beleza. Em um dia de dilúvio, cabeças neutralizadas, corpos em paz.

A volta

Pediram pra que ele voltasse. Estava fazendo falta, deixou os corações aflitos. O corpo havia desistido de ser feliz e todos foram junto. Uma coisa estranha, uma aflição de impotência designada a velhos e novos mortais.

Choraram, imploraram pra Deus. Fizeram promessas, não ouviam mais o choro da criança, o cachorro pedindo comida, as pessoas querendo passar, a buzinas enlouquecidas por espaço no trânsito, uma música. Uma coisa triste de se ver.
Mas aconteceu, Ele atendeu o tal pedido dos chorantes: ele voltou.
O corpo estava de volta. Com nome, endereço, CPF e um saco de pão na mão.

Fizeram um aconchegante café da manhã, flores no centro da mesa, toalha branca bordada, todos os tipo de doce. Ele adquirira dois prazeres com a velhice: doces e filmes, mas deste último esqueceram, mesmo que não houvesse desculpa pra não lembrar.

Aquela casa era ele, cheirava a ele, mostrava ele, chovia ele, não se estragava nada como ele. Uma casa normal com número, endereço no mapa e IPTU a pagar, uma casa de ressuscitamento. (Deve ser até pecado dizer essas coisas, coisas que todo mundo acredita que só aconteceu uma vez e foi com Aquele lá- não é medo de falar o nome, não, é que me ensinaram que mencionar o nome Dele em vão é pecado, aí desse eu tenho certeza que é e prefiro evitar. Outra coisa chata é esse troço de ficar escrevendo tudo relacionado a Ele em letra maiúscula, um dia eu paro com isso e talvez as pessoas me imitem).

Todos vieram ver o acontecido, o bairro reunido parecia ter ensaiado aquele episódio da Bíblia. "Sou eu mesmo" E se não fosse seria uma brincadeira de muito mau gosto.

O almoço foi o prato preferido dele, ninguém o irritou, as crianças se comportaram e os cachorros o lamberam. O domingo em família estava falido há um tempo, mas aquela era a sua renovação, uma daquelas reformas que só fazemos quando o estrago tá feito.

A noite chegou e ele teve que ir. Uma mistura de evangélios e contos infantis. Não choramos, pedimos perdão pelo o que fizemos de mal não só a ele, agradecemos o que ele fez de bom e de ruim justificado como "eu sei que era o melhor para mim", lhe demos dinheiro e roupas novas- se ele se sentiu ofendido, não falou; "eu te amo" também rolou por varejo, e ele comprou todos.

Ninguém havia se lembrado de fazer aquelas perguntas. Aquelas que todo mundo quer saber, e que se eu soubesse talvez não se escrevesse algumas coisas com letra maiúscula. "Deixa pra próxima".

sábado, 24 de abril de 2010

A ida

De repente esqueceram o nome dele. "Não pode deixar o corpo sozinho" ela disse. Uma vida toda sendo chamado pelo seu nome de batismo, depois da morte, virou um corpo. Foi até irônico, ele esquecia frequentemente o nome das pessoas. "Tudo bem, Mestre Coisinha?"

Ninguém esquecera seu nome, talvez fosse mais difícil admitir com uma frase inteira que ele estava morto. Sujeito, núcleo e predicado. O corpo na mesa fria. Fria... como se ele conseguisse sentir algo.

Mandaram-me escolher sua roupa, sua última roupa, na verdade. Não que fosse uma tarefa difícil, o corpo não iria achar ruim o que eu escolhesse; é que assim como os nomes, ele se esquecia de comprar roupas. Engraçado, né, a gente lá pensa que aquela roupa bonita que vamos comprar vai ser a roupa do nosso enterro, a última roupa que alguém desconhecido da funerária vai nos vestir, pensa nada. Talvez ele pensasse.

"Quando eu morrer, eu quero que me enterrem no mesmo dia" era seu pedido. Assim, foi. Sem roupa de rico, porque nem era mesmo, foi vestido só por estar vestido, até porque não iam gostar nada nada de um corpo nu no caixão, mesmo que esse seja seu próprio velório. Mas pra quê roupa, mesmo? E caixão? Ah, tá, é só pra dificultar o trabalho dos insetos, coitados.

Foi pro velório, de camisa social azul, calça social marrom e meias pretas; a cueca eu não sei, acho que usaram a mesma. Sabia que não enterra as pessoas com sapato? Não tem pra quê também, né, mas eu levei um, um novo, daqueles sem cadarços, pretos. "Pra quê esse sapato? Não precisa de sapato não, é só a meia mesmo." Acho que a ideia de conforto passou pela cabeça de todos.

Um chororô, todos foram pegos de surpresa, e o mínimo que se via era uma pessoa com a mão na boca, bem assustados. Um tentando consolar o outro. Dos discursos dos que se pronunciaram, o mais bonito foi o do seu sobrinho "Ele não tinha inimigos, não odiava ninguém, era um verdadeiro anfitrião, quem conhece sabe. Meu tio gostava de todo mundo e se não concordasse com alguém, pelo menos respeitava". Foi o mais bonito porque foi o único que falou de índole daquele senhor, os outros falavam de quantidade amorosa, não que não seja bonito, mas eu já esperava ouvir isso.

Um dos "mestres", como falava dos seus amigos de sua idade, comentou algo que me lembro bem "Vez ou outra ele andava com a camisa do avesso, cansei de ver isso." Rindo logo em seguida.

Carreata em direção ao cemitério. Aquele pisca-pisca de faróis em sinal de respeito a ele. O lado direito da pista tinha ficado tomado por carrões, carros populares com suas gentes espremidas e até motos. Passamos por pontes, e até uma construção bem bonita “Ele trabalhou aqui” me disseram. Estávamos inconsoláveis, uma perda insubstituível e só o que podíamos fazer era uma competição disfarçada de quem tinha a melhor história com ele.

Deu muita gente, não sabia que um corpo podia ter tantos amigos.

sábado, 20 de março de 2010

Chorou sozinha. Sentira o mais belo sentimento.
Chorou por não ter com quem compartilha-lo.
E como sentiu.

Controle da raiva

           As unhas contra as palmas das mãos, desvirtuando a raiva acumulada. Como se fosse a porta de entrada para o corpo; treinamento civil pesado, exaustivo, porém rápido - uma prova de que estaria apto para o próximo nível. Os níveis daquele jogo imoral se superava, como previsto.
          
           O sangue que, agora, escoava, declarava luta. A dor o fez recoar, soltou os dedos.
           
           Nem deu pra sentir o alívio dor nervos lutando por espaço. A pressão do sangue na veias cefálicas impora mais dor. Que dia. E ela, fonte de raiva, sempre contra a felicidade dele, estava linda. O que seria dele sem sua "Ice Queen", Alice? Um tristonho sem controle da raiva por não ter chagas.
           
           Alice deu as costas, sorrindo agora com o seu amor novo de segunda(-feira). 
          
          Game over.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Náusea

Os mistérios desses irreverentes sentimentos. Nos perguntamos se todos já passaram por isso. Os que não, hão de passar. Não que eu deseje o mal para as pessoas; mas aos que não sabem o que é, nem se quer podem se julgar vivos. Todavia, se não for isso que nos dá vida, não há por que ter medo da morte. Inércia.

Eu quero um conto. Um conto (não) fatídico, com fácil leitura e tempos reais. Um conto de base - é isso que eu quero(!). Porque essa vida é uma fábula, um poema, uma crítica, uma crônica e até um suspiro. O nosso romance é uma mistura de contos. Mas eu só quero um, ora, o último. Acabo logo com a tristeza que me atinge. "Bomba atômica" da vida figurativa. Nem sentirei que vivi.

Vou definir definir logo qual é o meu ponto. Repertir-me para aqueles, que porventura, ainda não sentiram e por consequência ainda não entederam. Eu sinto fome de sentimento e náusea de tempo. "Tic-tac" - que passe assim, como um conto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ela

O som do constante movimento. Forte, estalado.
Mais alto, agora.
Cada vez mais perto.
Progressão aritmética de barulhos intimidadores.

Consegui ouvi-La entrando e, ironicamente, inibiu o barulho irritante da porta. Uma força de fora para dentro.

cru.

Seus ratos de laboratório, sempre preparados para novos experimentos sem nenhum sentido antropológico e/ou científico, já tinham aquele barulho como reconhecível a léguas de distância. Ela se referia a nós como "vocês, misérias que corroboram a dor preta e branca". Lembro-me de outra expressão Dela: "aos que acham ter passado pelo pior, digo que muitos Me encontraram, poucos Me conheceram e nenhum Me dominou".

Confesso: o som bem influenciador daquela personalidade não me assustava. Apetecia-me. Era o único a gostar do denso impacto do salto no azulejo - que regia a orquestra do medo constante. Constan(tá)te. Constan(tá-tá-tá)te.

Deixava-me curioso que Aquela dama, talvez por (im)pureza, não me mostrava de vez o Seu calor. Frieza constan(tá-tá-tá-tá-tá)te.

Aproximou-se de mim. Como sempre, não sorriu. Se sorrisse A julgaria mal. E se continuar não sorrindo só desconfio que seja fria, nada mais. Até por que, aonde já se viu uma dama como Ela ter duas caras?

Não se vê. Não há.

(tá-tá-tá-tá-tá-TÁ!) voltou. Deixou-me com desejo de boca. Olhou-me de volta com o canto do olho; sabe que eu percebi, mas fingiu que não e como sempre estava com o poder - que crescia junto com o medo conjunto deles. Admiração (?)!

No outro dia, a mesma coisa (tá-tá-tá-tá-tá...T-Á!). Chegou. Não sorriu. Poder. Me indicou um bilhete o qual não consegui alcançar. Aquela sensação de impotência. E era aquilo mesmo, ela quis me mostrar, me lembrar que eu era um rato: o rato Dela, enfim.  Como se Ela desse um passo para trás a cada meu para frente, ou diminuísse o papel para que eu, como um rato, sempre "malhasse" e nunca alcançasse – assim foi nossa luta frustrante. No meu cansaço ainda consegui ler as letras vermelhas em fundo amarelo:

"Paixão: leia-Me.
                     Se puder, Me tenha."

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Planejamento

Eu não preciso dizer que depois que eu te conheci, eu não faço mais programas que você não caiba.
Você não precisa saber que quando eu acordo, eu penso onde você está dormindo.
Você não precisa saber que quando eu levanto, eu imagino com quem você irá tomar seu café, hoje.
Eu realmente não preciso me lembrar, que quando eu faço o almoço, eu imagino que você vai me dar um daqueles abraços de cozinha.

No centro, eu imagino te contando de onde tudo veio e por que tudo está ali. E você vai rir, depois, quando eu não souber os nomes dos lugares.
Vai rir também, principalmente, quando eu te disser que vamos ter que andar mais 15 minutos ou possivelmente pegar um ônibus pra tomarmos um café.
Vai dizer que tá amando o lugar, quando na verdade, preferia o anterior.
E eu vou estar em sintonia.

Ao atrevessar a rua, eu vou segurar a tua mão. Talvez eu fique com vergonha, e te diga que é uma mania minha.
Mas o que vai ficar na nossa memória, é como vamos nos cumprimentar de ansiedade no nosso primeiro contato.

No ônibus, nós dois vamos estar olhando pra janela. Você vai estar, eu vou estar olhando pra você.
E vou fingir que não entendi a pergunta que você vai me fazer, só pra eu te ouvir de novo.
Talvez pra eu achar graça do teu sotaque, talvez por que eu queira lembrar disso.
Quando acabar o assunto, vamos olhar um pro outro, e esperar que alguém diga "não acredito que você está aqui".
Nem vamos precisar de beliscões, ou algo parecido. Já sonhamos demais, e sabemos que aquilo é real.

Vou te levar no meu bar preferido. Na verdade, eu só bebo em um, por não gostar de mudanças de ambiente.
O garçom vai demorar a atender, como sempre, mas não estamos com pressa. Aliás, se ele nunca chegar, nem vamos perceber.


Vou imaginar o que faremos amanhã.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Injustiça

Injustiça é algo com a qual não podemos lutar.
É isso e pronto!
Nem todas as lágrimas de pedido de salvação são capazes
De alcançar a poderosa mão da Injustiça.
Por mais que pareça que vamos conseguir,
Sempre nos sobra as trapaceiras injustiças.

Eu amo aquilo que não é meu por direito.
Mas a culpa que sinto, é só minha.
E passado os dias
Eu conquisto mais um pouco desse
Peso, pra mim.

É você quem eu quero.
O mistério é o que nos ronda
E nos quebra de injustiça.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Conclusões

Nem todo o amor do mundo pode preencher o vazio individual.
Nem todo o sofrimento é capaz de competir com o amor.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Parte II - O corpo ouve

    O que deveria ser dia, agora não se revelava pela sua maior identidade: luz. O vermelho não intenso das pálpebras inibiu a vontade de deixar entrar mais sol que as frestas da janela e portas deixavam. A Tristeza trancou minhas pálpebras e com uma, duas voltas na fechadura – e se pudesse fazia a terceira volta no trinco. Nunca mais iria sair daquele calabouço interior, o Conformismo me visitava freqüentemente. Uma escuridão que não incomodava ao ponto de levantar e acender as luzes. Logo eu, que sempre gostei das lâmpadas acesas mesmo quando o sol dispensava o trabalho delas. Sempre gostei de dar brilho a verdade absoluta, dar luz ao nítido. Eu gosto é do exagero.

    Acordei lentamente. O escuro mastigou meus últimos cabelos pretos, meus pensamentos, meus músculos, minha vida e até o tédio; vomitou em forma de imaginação- não importava o que estava ou o que ficou na minha frente à noite toda. O que era colorido desbotou com a minha ausência de definir as cores, é claro. A indiferença dos seres, um fator social odiável, virou singular, a minha era mais notável.

    Não importava porque acordei, não havia algum porquê para querer estar naquele estado. Fechei os olhos para entrar e chamar o Sono. Senti um calor que não era meu, corpos que não eram meus- e antes que o leitor pense que essa é uma história de embriaguês, vos digo que não estava acompanhado, assim como todos os dias, e a bebida havia acabado há uma semana -, eu já havia sentido isso antes.

    Conseqüências do quarto de um preguiçoso hipocondríaco: comidas, garrafas, migalhas, maus cheiros... – o pensamento mais rápido que tive foi nas malditas operárias da natureza, que ainda teimam em dizer que não seriamos nada sem elas: as formigas. Tinha certeza que vieram me buscar, e me colocar pedaço por pedaço em suas tocas, embelezando sua torre de comida com as minhas sobras. Não há palavras que passem em fundo branco na minha cabeça e consiga descrever o meu medo. Teria que inventar algumas ou buscar adjetivos arcaicos que eu mesmo nem saberia da existência, mas não quero que o leitor perca tempo procurando palavras que caíram em desuso. Deixo os adjetivos “ricos” para Joaquim Maria Machado.

    Depois de uma semana bêbado e sem tomar banho, é claro, estava morto. Não que eu tenha ouvido falar que alguém tenha morrido por não tomar banho, mas tenha dó, me aventurei aos cinqüenta anos como um bardo no meu território 3x4 metros de prostitutas, álcool, cigarros, baratas e música. Seria um espanto se eu estivesse bem. Estava entregue aos vermes. Lembrei-me ainda de Augusto dos Anjos, que me coloca em palco como um “vencido” regendo a sua psicologia:

    “[...]
    Já o verme – este operário das ruínas –
    Que o sangue podre das carnificinas
    Come, e à vida em geral declara guerra

    Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
    E há de deixar-me apenas os cabelos,
    Na frialdade inorgânica da terra!”


    Não estava morto, de certo um defunto não teria direito a memória. Talvez já estivesse no caixão, não se recebe a notícia “você tem catalepsia” todos os dias. De algum modo aquilo estava errado, extremamente errado.

    Fui me libertando das idéias ao poder me acomodar melhor na cama, me aprisionando agora em outros vermes: carrapatos. Ri de mim mesmo ao lembrar que dois dos meus cachorros, os menores, dormem comigo. É claro que o descuido não estava só para mim. “Não estou morto, meus cães é que estão tão sujos quanto eu”. Disse bem alto, entre uns pequenos risos, para que todos pudessem ouvir:

- É claro que eu já senti isso antes.

    Mapeei meu corpo na cabeça, ainda conseguia senti-lo. “No pescoço”. Levantei a mão sob o lençol lentamente, para não espantar o bicho. “Pronto, fisguei-o!”, exclamei para os neurônios. Meu sorriso audacioso se desfez junto com o pequeno bicho – agora impossibilitado de comunicação. “Quatro no rosto!” Parti com pressa. “Dois no queixo...” Com a outra mão... “Vários nas pernas.”

    Não dava para competir com meu desespero. Fui assaltado pelo Pavor que fez a Tristeza de refém e disponibilizou as minhas pernas. Joguei meu lençol para o lado, levantei com emergência. “Perdi dois”, pensei ao sentir quicando pelas minhas pernas. Iniciando meu papel de psicopata, meu alívio era ter álcool no banheiro. Não quis ligar as luzes, não era hora de focar nos mafiosos da “meia-noite”. Além disso, a porta do banheiro estava mais perto.

    Fiz força na maçaneta, cheguei a pensar que não reconhecia mais aquele formato. Agora, estava aberta a porta das sentenças mortais; e ao contrário dos meus personagens, o poder regressou para mim. “Tem um na minha mão. Vai ser o primeiro.” Me deparei com a pia e finalmente estiquei o braço para alcançar as luzes, e assim começar a minha vingança. Preparei meu melhor sorriso.

    Clic.

    O que era para ser minha diversão inundou meus pensamentos de suposições: “Eu tentei me matar?” Os carrapatos iam se tornando em suas cores irreais: os tons irônicos. O vermelho quase debochou de mim dando um sorriso de canto, escorregou fazendo um desenho e roubando meu poder na minha frente. As gostas de sangue chegaram para brincar de realidade. Fiquei hipnotizado com a única gota escorrida até meu anelar; silenciado pela ironia do vermelho vendo seu próprio reflexo no espelho. E eu, enganado pelo meu córtex, dei parabéns a ele com meu rosto ensangüentado:

    - Estou louco demais para um morto.

    Com o intuito de observar o resto do meu corpo, meus olhos assustados detectaram as roupas de hospital, os pés descalços e o cabelo cortado. Dei mais um gostinho de vitória para o córtex:

    - Há quanto tempo estou aqui?

    Limpei meu nariz com as costas da mão e corri para o quarto, ainda escuro. O quarto que inicialmente me iludiu, fez parceria com meus instintos e provocou um pensamento hospitaleiro; projetou quase que unicamente igual a minha prisão optativa. “Uma farsa para o mestre das farsas.”