domingo, 2 de maio de 2010

A volta

Pediram pra que ele voltasse. Estava fazendo falta, deixou os corações aflitos. O corpo havia desistido de ser feliz e todos foram junto. Uma coisa estranha, uma aflição de impotência designada a velhos e novos mortais.

Choraram, imploraram pra Deus. Fizeram promessas, não ouviam mais o choro da criança, o cachorro pedindo comida, as pessoas querendo passar, a buzinas enlouquecidas por espaço no trânsito, uma música. Uma coisa triste de se ver.
Mas aconteceu, Ele atendeu o tal pedido dos chorantes: ele voltou.
O corpo estava de volta. Com nome, endereço, CPF e um saco de pão na mão.

Fizeram um aconchegante café da manhã, flores no centro da mesa, toalha branca bordada, todos os tipo de doce. Ele adquirira dois prazeres com a velhice: doces e filmes, mas deste último esqueceram, mesmo que não houvesse desculpa pra não lembrar.

Aquela casa era ele, cheirava a ele, mostrava ele, chovia ele, não se estragava nada como ele. Uma casa normal com número, endereço no mapa e IPTU a pagar, uma casa de ressuscitamento. (Deve ser até pecado dizer essas coisas, coisas que todo mundo acredita que só aconteceu uma vez e foi com Aquele lá- não é medo de falar o nome, não, é que me ensinaram que mencionar o nome Dele em vão é pecado, aí desse eu tenho certeza que é e prefiro evitar. Outra coisa chata é esse troço de ficar escrevendo tudo relacionado a Ele em letra maiúscula, um dia eu paro com isso e talvez as pessoas me imitem).

Todos vieram ver o acontecido, o bairro reunido parecia ter ensaiado aquele episódio da Bíblia. "Sou eu mesmo" E se não fosse seria uma brincadeira de muito mau gosto.

O almoço foi o prato preferido dele, ninguém o irritou, as crianças se comportaram e os cachorros o lamberam. O domingo em família estava falido há um tempo, mas aquela era a sua renovação, uma daquelas reformas que só fazemos quando o estrago tá feito.

A noite chegou e ele teve que ir. Uma mistura de evangélios e contos infantis. Não choramos, pedimos perdão pelo o que fizemos de mal não só a ele, agradecemos o que ele fez de bom e de ruim justificado como "eu sei que era o melhor para mim", lhe demos dinheiro e roupas novas- se ele se sentiu ofendido, não falou; "eu te amo" também rolou por varejo, e ele comprou todos.

Ninguém havia se lembrado de fazer aquelas perguntas. Aquelas que todo mundo quer saber, e que se eu soubesse talvez não se escrevesse algumas coisas com letra maiúscula. "Deixa pra próxima".

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