domingo, 30 de maio de 2010

Morte por estatística

Esticaram-na sobre a sua própria piscina de sangue. Rodearam-na com uma barreira de curiosos que traziam a poeira que se uniria com o sangue, como uma espécie de grude – mal sabiam que desobedeciam uma das maiores manias da moça de sempre limpar bem os sapatos, preocupada com o que as brechas do solado poderiam ter em seu poder. Cobriram o seu rosto, já tinham recolhido sua identidade. Mais uma morte pra virar estatística. Foi feliz o quanto deixaram e, talvez por isso, teve a morte merecida: instantânea, quase indolor, comum. Todos que estavam ali foram testemunha, alguns a invejaram pedindo perdão de quem pudesse ler mentes, outros se benzeram sem chegar perto, e os que restaram só passavam informação.

Morreu no cenário que passou suas melhores alegrias, talvez nunca tivesse imaginado que iria terminar lá. Quando me refiro as suas “melhores alegrias” não quero aparentar que lá era onde ela passava o maior parte do tempo, nem mesmo foi seu lugar preferido, mesmo contando com o porém de que lá residiu a maior desorientação do amor não publicada, a sua primeira relação sexual, a(s) sua(s)primeira(s) relação(ões) com as drogas lícitas e ilícitas, seus primeiros suspiros por Drummond, seus modelos para seus quadros, suas últimas irreverentes mentiras.

Estava ali, estirada sobre os milhões de grãos de areia que compõe a pequena Praia do Arpoador. Estava perto do mais vendido cartão postal do Brasil. Exposta, esfriando a areia que, agora, já não era tão quente.

Foi um dia ruim no Pavão- Pavãozinho, e um dia normal nas pedras do Arpoador. É um fato que não se espera, mesmo que tudo mundo saiba e esteja orientado. No final da tarde, eles tiraram a normalidade, desceram o morro; e ela a pedra. Eles se armavam e corriam; ela encaixava aos impulsos os dedões nas sandálias. Eles eram vários; ela também. E agora o que corria sem fórmula pronta, sem físico pra analisar, a pegou pela cabeça. Eles tornaram-se “não sei dizer”; ela respirou até a última nota do mar. Respirou aquela cidade, a cidade que eles lhe ensinaram a amar e a defender.

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