sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Injustiça

Injustiça é algo com a qual não podemos lutar.
É isso e pronto!
Nem todas as lágrimas de pedido de salvação são capazes
De alcançar a poderosa mão da Injustiça.
Por mais que pareça que vamos conseguir,
Sempre nos sobra as trapaceiras injustiças.

Eu amo aquilo que não é meu por direito.
Mas a culpa que sinto, é só minha.
E passado os dias
Eu conquisto mais um pouco desse
Peso, pra mim.

É você quem eu quero.
O mistério é o que nos ronda
E nos quebra de injustiça.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Conclusões

Nem todo o amor do mundo pode preencher o vazio individual.
Nem todo o sofrimento é capaz de competir com o amor.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Parte II - O corpo ouve

    O que deveria ser dia, agora não se revelava pela sua maior identidade: luz. O vermelho não intenso das pálpebras inibiu a vontade de deixar entrar mais sol que as frestas da janela e portas deixavam. A Tristeza trancou minhas pálpebras e com uma, duas voltas na fechadura – e se pudesse fazia a terceira volta no trinco. Nunca mais iria sair daquele calabouço interior, o Conformismo me visitava freqüentemente. Uma escuridão que não incomodava ao ponto de levantar e acender as luzes. Logo eu, que sempre gostei das lâmpadas acesas mesmo quando o sol dispensava o trabalho delas. Sempre gostei de dar brilho a verdade absoluta, dar luz ao nítido. Eu gosto é do exagero.

    Acordei lentamente. O escuro mastigou meus últimos cabelos pretos, meus pensamentos, meus músculos, minha vida e até o tédio; vomitou em forma de imaginação- não importava o que estava ou o que ficou na minha frente à noite toda. O que era colorido desbotou com a minha ausência de definir as cores, é claro. A indiferença dos seres, um fator social odiável, virou singular, a minha era mais notável.

    Não importava porque acordei, não havia algum porquê para querer estar naquele estado. Fechei os olhos para entrar e chamar o Sono. Senti um calor que não era meu, corpos que não eram meus- e antes que o leitor pense que essa é uma história de embriaguês, vos digo que não estava acompanhado, assim como todos os dias, e a bebida havia acabado há uma semana -, eu já havia sentido isso antes.

    Conseqüências do quarto de um preguiçoso hipocondríaco: comidas, garrafas, migalhas, maus cheiros... – o pensamento mais rápido que tive foi nas malditas operárias da natureza, que ainda teimam em dizer que não seriamos nada sem elas: as formigas. Tinha certeza que vieram me buscar, e me colocar pedaço por pedaço em suas tocas, embelezando sua torre de comida com as minhas sobras. Não há palavras que passem em fundo branco na minha cabeça e consiga descrever o meu medo. Teria que inventar algumas ou buscar adjetivos arcaicos que eu mesmo nem saberia da existência, mas não quero que o leitor perca tempo procurando palavras que caíram em desuso. Deixo os adjetivos “ricos” para Joaquim Maria Machado.

    Depois de uma semana bêbado e sem tomar banho, é claro, estava morto. Não que eu tenha ouvido falar que alguém tenha morrido por não tomar banho, mas tenha dó, me aventurei aos cinqüenta anos como um bardo no meu território 3x4 metros de prostitutas, álcool, cigarros, baratas e música. Seria um espanto se eu estivesse bem. Estava entregue aos vermes. Lembrei-me ainda de Augusto dos Anjos, que me coloca em palco como um “vencido” regendo a sua psicologia:

    “[...]
    Já o verme – este operário das ruínas –
    Que o sangue podre das carnificinas
    Come, e à vida em geral declara guerra

    Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
    E há de deixar-me apenas os cabelos,
    Na frialdade inorgânica da terra!”


    Não estava morto, de certo um defunto não teria direito a memória. Talvez já estivesse no caixão, não se recebe a notícia “você tem catalepsia” todos os dias. De algum modo aquilo estava errado, extremamente errado.

    Fui me libertando das idéias ao poder me acomodar melhor na cama, me aprisionando agora em outros vermes: carrapatos. Ri de mim mesmo ao lembrar que dois dos meus cachorros, os menores, dormem comigo. É claro que o descuido não estava só para mim. “Não estou morto, meus cães é que estão tão sujos quanto eu”. Disse bem alto, entre uns pequenos risos, para que todos pudessem ouvir:

- É claro que eu já senti isso antes.

    Mapeei meu corpo na cabeça, ainda conseguia senti-lo. “No pescoço”. Levantei a mão sob o lençol lentamente, para não espantar o bicho. “Pronto, fisguei-o!”, exclamei para os neurônios. Meu sorriso audacioso se desfez junto com o pequeno bicho – agora impossibilitado de comunicação. “Quatro no rosto!” Parti com pressa. “Dois no queixo...” Com a outra mão... “Vários nas pernas.”

    Não dava para competir com meu desespero. Fui assaltado pelo Pavor que fez a Tristeza de refém e disponibilizou as minhas pernas. Joguei meu lençol para o lado, levantei com emergência. “Perdi dois”, pensei ao sentir quicando pelas minhas pernas. Iniciando meu papel de psicopata, meu alívio era ter álcool no banheiro. Não quis ligar as luzes, não era hora de focar nos mafiosos da “meia-noite”. Além disso, a porta do banheiro estava mais perto.

    Fiz força na maçaneta, cheguei a pensar que não reconhecia mais aquele formato. Agora, estava aberta a porta das sentenças mortais; e ao contrário dos meus personagens, o poder regressou para mim. “Tem um na minha mão. Vai ser o primeiro.” Me deparei com a pia e finalmente estiquei o braço para alcançar as luzes, e assim começar a minha vingança. Preparei meu melhor sorriso.

    Clic.

    O que era para ser minha diversão inundou meus pensamentos de suposições: “Eu tentei me matar?” Os carrapatos iam se tornando em suas cores irreais: os tons irônicos. O vermelho quase debochou de mim dando um sorriso de canto, escorregou fazendo um desenho e roubando meu poder na minha frente. As gostas de sangue chegaram para brincar de realidade. Fiquei hipnotizado com a única gota escorrida até meu anelar; silenciado pela ironia do vermelho vendo seu próprio reflexo no espelho. E eu, enganado pelo meu córtex, dei parabéns a ele com meu rosto ensangüentado:

    - Estou louco demais para um morto.

    Com o intuito de observar o resto do meu corpo, meus olhos assustados detectaram as roupas de hospital, os pés descalços e o cabelo cortado. Dei mais um gostinho de vitória para o córtex:

    - Há quanto tempo estou aqui?

    Limpei meu nariz com as costas da mão e corri para o quarto, ainda escuro. O quarto que inicialmente me iludiu, fez parceria com meus instintos e provocou um pensamento hospitaleiro; projetou quase que unicamente igual a minha prisão optativa. “Uma farsa para o mestre das farsas.”