quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ela

O som do constante movimento. Forte, estalado.
Mais alto, agora.
Cada vez mais perto.
Progressão aritmética de barulhos intimidadores.

Consegui ouvi-La entrando e, ironicamente, inibiu o barulho irritante da porta. Uma força de fora para dentro.

cru.

Seus ratos de laboratório, sempre preparados para novos experimentos sem nenhum sentido antropológico e/ou científico, já tinham aquele barulho como reconhecível a léguas de distância. Ela se referia a nós como "vocês, misérias que corroboram a dor preta e branca". Lembro-me de outra expressão Dela: "aos que acham ter passado pelo pior, digo que muitos Me encontraram, poucos Me conheceram e nenhum Me dominou".

Confesso: o som bem influenciador daquela personalidade não me assustava. Apetecia-me. Era o único a gostar do denso impacto do salto no azulejo - que regia a orquestra do medo constante. Constan(tá)te. Constan(tá-tá-tá)te.

Deixava-me curioso que Aquela dama, talvez por (im)pureza, não me mostrava de vez o Seu calor. Frieza constan(tá-tá-tá-tá-tá)te.

Aproximou-se de mim. Como sempre, não sorriu. Se sorrisse A julgaria mal. E se continuar não sorrindo só desconfio que seja fria, nada mais. Até por que, aonde já se viu uma dama como Ela ter duas caras?

Não se vê. Não há.

(tá-tá-tá-tá-tá-TÁ!) voltou. Deixou-me com desejo de boca. Olhou-me de volta com o canto do olho; sabe que eu percebi, mas fingiu que não e como sempre estava com o poder - que crescia junto com o medo conjunto deles. Admiração (?)!

No outro dia, a mesma coisa (tá-tá-tá-tá-tá...T-Á!). Chegou. Não sorriu. Poder. Me indicou um bilhete o qual não consegui alcançar. Aquela sensação de impotência. E era aquilo mesmo, ela quis me mostrar, me lembrar que eu era um rato: o rato Dela, enfim.  Como se Ela desse um passo para trás a cada meu para frente, ou diminuísse o papel para que eu, como um rato, sempre "malhasse" e nunca alcançasse – assim foi nossa luta frustrante. No meu cansaço ainda consegui ler as letras vermelhas em fundo amarelo:

"Paixão: leia-Me.
                     Se puder, Me tenha."

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Planejamento

Eu não preciso dizer que depois que eu te conheci, eu não faço mais programas que você não caiba.
Você não precisa saber que quando eu acordo, eu penso onde você está dormindo.
Você não precisa saber que quando eu levanto, eu imagino com quem você irá tomar seu café, hoje.
Eu realmente não preciso me lembrar, que quando eu faço o almoço, eu imagino que você vai me dar um daqueles abraços de cozinha.

No centro, eu imagino te contando de onde tudo veio e por que tudo está ali. E você vai rir, depois, quando eu não souber os nomes dos lugares.
Vai rir também, principalmente, quando eu te disser que vamos ter que andar mais 15 minutos ou possivelmente pegar um ônibus pra tomarmos um café.
Vai dizer que tá amando o lugar, quando na verdade, preferia o anterior.
E eu vou estar em sintonia.

Ao atrevessar a rua, eu vou segurar a tua mão. Talvez eu fique com vergonha, e te diga que é uma mania minha.
Mas o que vai ficar na nossa memória, é como vamos nos cumprimentar de ansiedade no nosso primeiro contato.

No ônibus, nós dois vamos estar olhando pra janela. Você vai estar, eu vou estar olhando pra você.
E vou fingir que não entendi a pergunta que você vai me fazer, só pra eu te ouvir de novo.
Talvez pra eu achar graça do teu sotaque, talvez por que eu queira lembrar disso.
Quando acabar o assunto, vamos olhar um pro outro, e esperar que alguém diga "não acredito que você está aqui".
Nem vamos precisar de beliscões, ou algo parecido. Já sonhamos demais, e sabemos que aquilo é real.

Vou te levar no meu bar preferido. Na verdade, eu só bebo em um, por não gostar de mudanças de ambiente.
O garçom vai demorar a atender, como sempre, mas não estamos com pressa. Aliás, se ele nunca chegar, nem vamos perceber.


Vou imaginar o que faremos amanhã.