sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta a Albert Hoffman

Indicaram-me poucas doses por dia, o necessário, eles diziam. Pouco a pouco ele já estava na minha corrente sanguínea, nos meus poros, na minha saliva, se combinando com a queratina, aniquilando meus sonhos e apetite, roendo meus telômeros.

Indissimulável.

Viciei.

Passei a andar com a droga na bolsa, tomando qualquer quantidade a qualquer hora, me dedicava a sua digestão como fossem cubos de açúcar inocentes.

Foram meses envelhecendo como anos, mesmo quando achava que tinha enlouquecido conscientemente. Eu sabia que estava bem, mas não sabia se era um dos fatores benéficos do remédio ou não. Pra ser sincera, por várias vezes perdi meu sono por me indagar se a retirada do remédio iria me trazer a vida de antes. Eu tenho um palpite, mas prefiro não mencionar.

Deparei-me com o passado, com a caixa do correio cheia e com a secretária eletrônica em pane, todos completamente preocupados. Mas eles eram apenas os outros e isso era nada mais que um período de “liberdade”.

Quando eu me dei conta, já não sabia mais o número da minha identidade, quando quis comprar um isqueiro novo pela internet. Decidi parar de uma vez por todas. Não podia ser tão difícil. Depois de três noites sem o poder do remédio, me revoltei, adquiri uma personalidade sobrenatural, uma força advinda sabe-se lá de onde, quebrei espelhos, fiz muitas cicatrizes no rosto, achei que tudo deveria ser de outro jeito, me perdi na minha forma absoluta de ver o mundo, ou era ou não era, e não tinha esse negócio de "eis a questão".

Doutor, faz um ano que eu estou no processo de teste, eu só queria saber se isso é normal.

4 comentários: