quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um Encontro de Verdades.

[O texto que segue não encontrou um devido final, está expressamente trancado nas idéias que fugiram do controle ou entraram muito dele e não se destacou. Decidi por publicar por já ter enjoado do nome do texto no meio dos meus arquivos. Segue.]

- Eu nunca pensei que fosse tão difícil escrever o conceito de verdade, meus amigos – disse Jean Piaget, com um de seus charutos suíços na boca, entre risos.

Os senhores, que ainda estavam dispostos a desfrutar de um humor barato, o acompanharam nas risadas. Se alguma evidência poderia ser tirada, deveras seria que aquele grupo estava beirando sua “quase desistência” de futuras teorias, naquele instante. Lançavam olhares entediados; riam depois de fazê-lo, para esquecer o preceito, para debochar do estado alcoólico do outro mesmo estando taças de vinho à frente. Era bem perceptível a competição entre o cheiro do suor e do álcool; não era esperada outra coisa, vindo de uma reunião de homens velhos com barbas por fazer, bebendo vinho e discutindo filosofia.

O encontro estava certo há uma quinzena; dados os telefonemas, envios de telegramas e cartas, tudo já estava esquematizado. Pelos países da Europa, América e Ásia, a notícia do encontro foi se espalhando. Alguns desdenhavam, soltavam leves risos duvidosos combinados com sarcasmo ao ver o nome de Sócrates como o anfitrião, outros ficaram honrados e ainda previam conceitos que mudariam a filosofia.

(Paris, 17 de março de 1919)

Enfim, estavam ali: sentados em volta de uma mesa arredondada, centralizada na sala (de mais ou menos 7x6 metros) acompanhada de tragos charutos, bocejos, vinhos e homens das mais diferentes nacionalidades e idades.

- É verdade, meu caro, concordou Sócrates, estamos aqui com vinte e seis livros abertos; entre eles, dicionários, livros de sociologia e filosofia, mas nada de uma primeira linha.

Sócrates falava como um líder, era o mais velho, o mentor do encontro e previamente o dono da maior quantidade de livros ali expostos – nada que intimidasse seus companheiros. Na mesa não havia cabeceira, se houvesse, de certo ele a tomaria.

- Senhores, eu abstenho-vos dessa inércia. Querem uma idéia? Pois bem, então redija nessa sua máquina, Sócrates. Eu tenho uma idéia! gritou Descartes seguido de um belo gole de vinho.

- Ora, se tem! Vamos, comece. - duvidou Sócrates.

- Espetacular, Descartes!- gritou um coro de bêbados.

- Não perderemos tempo, senhores. Coloque uma folha nova para um novo conceito, Sócrates – chamou a atenção. Verdade é a boa interpretação de uma sentença, ponto seguido, Pode vir como uma metáfora, vírgula, mas se for bem interpretada, vírgula, essa é a sentença com a qual tu te identificas com a verdade, vírgula, o teu ponto de vista, ponto seguido, A má interpretação é uma falácia, ponto.

- Com todo o perdão da sinceridade a que me cabe, eu te digo que não aprovo. Não soa como uma definição... - disse Sócrates sem tirar os olhos do papel.

- Ora, é porque tu não soubeste interpretar a verdade de Descartes. Seguiste a tal da falácia.

Caíram no riso, o clima ruim já conhecido entre Descartes e Sócrates tem um novo alicerce.

- Amigos, riam, - começou Piaget, agora de pé e falando em alto e bom som- mas o que me preocupa não é a verdade, o que me preocupa é a mentira. Os senhores já imaginaram quantos vão querer uma definição de mentira para ter algo a seu favor? É simples pensar: todos mentem, alguns mais mentem do que exercem a veracidade. A mentira já é quase considerada o certo de tanto ser escolhida, virou o senso comum dessa população.

- Se definirmos o conceito de um, não teremos o de outro? Não são antônimos?

- Dependendo do ponto de vista, meu caro. – disse Descartes, ainda de costas, para Sócrates enquanto servia-se de mais vinho. O que pode ser uma verdade para ti, é uma mentira para mim, por exemplo – jogou o conteúdo do copo contra a parede branca, para a perplexidade da platéia. Isso para ti pode ser vinho como para mim é sangue. São duas verdades porque são dois conscientes e até então não há alguma prova de que é vinho ou sangue.

Sócrates fica estagnado na mesma posição por cinco minutos, parece não refletir nem mesmo respirar. Agora, estava sem chão.

- Esses conceitos são puramente teóricos, indagou Nietzsche. Eu quero que tu me proves uma mentira evolutiva. – bateu a mão na mesa para chamar a atenção para si. Porque para mim, vos digo, falso é tudo aquilo que é obstáculo na vida construtiva de um ser; e verdadeiro é aquilo que ajuda a fomentar a vida da espécie.

- Não seja tão pragmático, Nietzsche. De pragmáticos já estamos abastecido por aqueles norte-americanos. Aliás, é extremamente curioso não saber o porquê de Dewey não poder vir. Os senhores têm conhecimento da causa?

- Não vamos desconversar, Habermas. Até concordo com o triplo consenso de William James, Dewey e Pierce: a prática é o critério da verdade. Nesse caso, a verdade de uma proposição se estabelece a partir de seus feitos, dos resultados práticos. É por isso que lhes dou a certeza que o conceito deve adquirir um conceito existencial, e não um valor racional.

- Eu tenho um conceito para a mentira! – Descartes quebra o silêncio da reflexão proferida por Nietzsche.

- É claro que tem, Descartes. É claro que tem. Pode começar, estou redigindo. – Sócrates completa.

- Vou esperar o teu nível de sarcasmo abaixar para que não respingue no meu raciocínio.

- Terás que encomendar mais vinho, meu caro.

- Anote. Só anote – Descartes coloca o dedo com força no papel, assumindo a pseudo-liderança. A mentira é preconceituosa, vírgula, ela pode ser inventada, barra, imposta a partir de um ponto pobre, entre parêntesis: “sem conhecimento” e egoísta. Além de ser empírica, vírgula, pois não há uma suposta mentira. Ela é concreta. Se for suposta é uma teoria.

- Não que eu queira dar um ousado levante no teu humor, Descartes, mas vossos conceitos estão melhorando. – diz Sócrates dando um fraco tapa na máquina de escrever para poder concluir o escrito.

- Isso é uma verdade. – debocha . Mais vinho para Descartes!
Os bêbados comemoram levantando suas respectivas canecas.

- Senhores, um minuto, pois para mim, isso não quer dizer nada. A mentira é um jeito de manipular a sociedade! – diz Marx como se tivesse guardando o segredo por tanto tempo, para poder chocar mais.

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