segunda-feira, 12 de julho de 2010

Japão e Seus Corações de Ouro - Parte 1

O meu povo é um povo feliz com lembranças tristes, chego a pensar que fingem seus jantares em família e seus brindes, mas não, só estão tentando seguir como qualquer um faria. Meu vilarejo já foi pintado de sangue, esgotado de almas vagantes, lotados de lágrimas. Foram-se os inocentes e os culpados, hoje, ficaram corpos com um pouco de história, inclusive o meu.

As imagens dos nossos heróis e suas histórias de combate, agora, habitam o mesmo lugar: nossos corações ainda aflitos – mesmo os anos tentando nos encantar de outros jeitos, ou ainda nos cansando, nos tornando terríveis, insensíveis ao ponto de não chorar por já estarmos acostumados com a dor. Talhamos os nomes heróicos em hiragana nas paredes internas de uma casa velha, a qual por muitos anos a ignoramos e hoje a chamamos de “templo”. Uma casa velha, como a nossa dor; uma casa de madeira, frágil como a nossa ambição de viver. É meu lugar preferido. Fora feito há muito tempo como moradia, os homens jovens da época construíram para que fosse só mais uma do vilarejo; a família, que nela dividia-se, hoje se resume em histórias. Eu sou da época desses homens jovens, que em sua maioria, agora são heróis, a minoria se perdeu no tempo, contrapondo a sua vontade de lutar desde criança; não foram considerados heróis mas tiveram espíritos de tal semelhança em sua vontade. Assim como eu. Inevitavelmente, agora, beiro a morte, e por conseqüência desse “agora”, não terei meu nome como marca naquele “templo”, talvez o não ser heroína é uma conseqüência: aqui não há lugar para mulheres, só para seus antecedentes e sucessores homens.

Nesta região, que se tornou inóspita pelas sucessivas guerras entre tribos vizinhas, fizemos nosso lar, unimos nosso império. Prometemos que cada ano seria mais próspero que anterior, e com muita vigor viemos conseguindo.

Ao som do koto, a calmaria manifesta-se. Todas as mulheres, uma por vez, dedilham a paz com dez dedos. As canções tradicionais ainda são as que encantam, as que perturbam mesmo ensaiadas. Somos muitas atrás de um coração de ouro, que valha o dobro de nossas riquezas, que seja tão puro como nós. Somos eternamente mulheres, no meio do nada, no meio de muitas, procurando o único conforto de um coração de ouro.

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